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Adoro dar aula para o curso de medicina. Faço isso há vários anos. É muito gratificante ver o encantamento de quem está descobrindo uma profissão tão bonita, uma mistura de ciência e arte, que se entrelaçam numa dança eterna. E, se não é só ciência e nem só arte, cabe ao jovem que almeja exercer esse ofício aprender e exercitar a ambos.

Ensinar ciência, porém, ao meu ver, é mais fácil que ensinar arte. Arte é sutil. Arte é delicada e não se ensina no banco da escola. Arte se aprende na vida, no contato com o humano. Mas, para despertar o jovem estudante de medicina para seu lado arte, quero recomendar 3 livros. O primeiro deles, sobre o qual quero estender um pouco essa conversa, confesso que comecei a ler várias vezes e capitulei. Terminei durante a quarentena. E foi um enorme presente que ganhei nestes dias que jamais esquecerei. Trata-se de Médico de Homens e de Almas (Taylor Caldwell). Os outros 2, sobre os quais podemos até discutir em alguma ocasião, são A Biologia da Crença (Bruce Lipton) e O Fisico (Noah Gordon).

Pois bem, Médico de Homens e de Almas conta a história de Lucano, médico de origem grega, contemporâneo histórico de Jesus Cristo. Ele entrou para a história como Lucas, o evangelista, que escreveu os evangelhos bíblicos de Lucas e dos Atos dos Apóstolos. No livro, rico em detalhes da história da época de Jesus, como a dominação romana e as crenças e comportamentos dos Judeus daquele tempo, duas características de Lucas me chamaram muito a atenção, principalmente fazendo paralelo com meu exercício da medicina.

Primeiro, o livro descreve a luta de Lucas contra a morte de forma muito interessante. Ele tem uma espécie de revolta contra o fim inevitável e luta incansavelmente para combate-la. Esse exercício, que é de todo médico, principalmente daqueles que lidam com pacientes mais graves, deve nortear nossa atuação profissional, mas dentro de um equilíbrio que muitas vezes é difícil de manter. Por um lado, devemos perseguir com entusiasmo a cura e o alívio do sofrimento. De outro, sabemos que ela é tão inexorável como a vida e a pena para quem não aceitar quando ela bater à porta será a frustração e desilusão com essa profissão-arte-ciência.

Segundo, o livro descreve curas milagrosas de Lucas. Vários pacientes que tiveram resultados inesperados de seus tratamentos, levando-o até mesmo a questionar se seus diagnósticos estavam corretos. Aí esbarramos na crença em milagres, mas deixemos de lado a questão religiosa ou da sua existência ou não. Se ficou curioso, eu particularmente acredito muito neles, mas quero me fixar em outro aspecto,  que podemos comprovar na prática do dia a dia. Trata-se do efeito terapêutico do médico, do quanto a figura deste profissional é capaz de despertar no paciente sua energia de cura.

Eu já experimentei essa sensação como paciente e também como profissional. Como paciente, algumas vezes, antes mesmo de tomar o remédio que me foi prescrito, eu melhorei do que motivou minha ida ao médico. Parece que a simples presença do contato com o profissional fez isso. Em várias outras ocasiões, pacientes meus me relataram o mesmo. Certa vez ouvi uma frase, que sinceramente não sei o autor (se alguém souber, por favor me oriente). Ela diz assim: “o mesmo remédio dado por médicos diferentes terá resultado totalmente diferente”. Acho que resume bem o efeito terapêutico da relação entre médico e paciente, território sagrado da prática da medicina.

Por fim, recomendo que essa história belíssima faça parte da vida de todo médico. Aliviar o sofrimento e perseguir a cura são os motivos pelos quais saímos de casa todos os dias. E isso se faz pelo diagnóstico adequado, pela terapêutica apropriada, mas também pelo exercício gracioso da arte de ser médico. Desejo a todos os alunos de medicina um belo despertar para essa arte milenar.